sexta-feira, novembro 10, 2006

QUERIA SER ROY NEARY

Quando se chega a uma certa idade, começamos a olhar mais para o nosso próprio passado. É o momento em que constatamos toda a impiedade da passagem do tempo. Há pessoas que lamentam pela degradação física. Outras por contextos que já não podem mais ser vividos. De minha parte, além dos entes queridos que se foram, o que mais me angustia é ter sido despido da inocência. Aos poucos, mas na marra, a vida foi abrindo meus olhos. Posso dizer que, por conta disso, hoje me defino como um cético. Porém, sinto falta de quando tinha mais fé nas coisas que estão para além do que só pode ser explicado pela razão. E como eu acreditava sem muito questionar! Os discos voadores encabeçavam a lista de minhas crenças perdidas. Tanto assim que meu gênero cinematográfico favorito logo se tornou a ficção científica. Que, para mim, não tinha nada de ficção.

No início dos anos oitenta, a hoje extinta Rede Manchete inaugurou suas transmissões com a exibição de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind). Ávido pelos mistérios vindos do espaço, quis conferir o filme. Por alguma razão, não o assisti naquela ocasião, mas apenas tempos depois. Não lembro bem se foi por conta do horário tardio da exibição do longa ou se meu pai não permitiu temendo que eu ficasse impressionado. Aliás, esta última hipótese era mais do que possível. Eu realmente me impressionava com estas histórias de o.v.n.i.s., haja visto que acreditava nelas quase que cegamente. Sentia uma enorme curiosidade pelo assunto, mas, ao mesmo tempo, ele me causava um medo terrível. Um de meus grandes temores de infância era justamente ser seqüestrado por e.t.s. O que, paradoxalmente, também não deixava de ser um desejo íntimo de que tal coisa ocorresse. Principalmente, quando os problemas nada imaginários apareciam!

Possivelmente, acabei sendo influenciado pela história de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, que muitos diziam ser baseada em fatos reais. Nela, Roy Neary (Richard Dreyfuss, então alter ego do diretor Steven Spielberg), sujeito comum, trabalhador, pai de família, acaba sendo testemunha de uma aparição de discos voadores no interior dos Estados Unidos. Após este evento, Roy fica obcecado pela visão de uma montanha, local onde, na conclusão do filme, os alienígenas darão o ar de sua graça. Tal obsessão, gera ainda mais tensão nas já frágeis relações de Roy com sua família. Paralelamente a isso, Jillian Guiller (Melinda Dillon, indicada ao Oscar), inicia uma busca por seu pequeno filho abduzido, enquanto o misterioso Claude Lacombe (François Truffaut, ele mesmo!) consegue combinar informações que podem resultar em um primeiro grande encontro de seres extraterrestres com a humanidade.

O ritmo do filme é lento para os padrões atuais, mas nada que não seja compensado por mais um brilhante trabalho do início da carreira de Spielberg. Utilizando a mesma tática vitoriosa de Tubarão (Jaws), o cineasta deixa os nervos do público em frangalhos nas seqüências de contatos imediatos, onde não revela as reais aparência e intenções dos e.t.s. Tudo para nos conduzir a um surpreendente e apoteótico final. Momento em que entram em cena os alienígenas e suas multifacetadas naves, precedidos por um emocionante diálogo-concerto, a partir das inesquecíveis notas musicais compostas pelo maestro John Williams (mais tarde transformadas no “plim-plim” da Manchete e no toque de chamada do meu celular).

Apesar de toda a desconfiança que despertam ao longo do filme, as criaturas que emergem da colossal nave-mãe não passam de seres com aparência frágil e uma enorme curiosidade a respeito de nossa espécie. Verdadeiras crianças, talvez em uma espécie de excursão escolar pelo espaço. Atraído pelos alienígenas ou se identificando com eles, o protagonista Roy, ele próprio um crianção (seu filme predileto é Pinóquio), não hesita em deixar toda a sua banal e problemática vida terrestre para trás e parte para um mundo além da imaginação. O curioso é que este detalhe faz da última incursão de Spielberg no gênero, Guerra dos Mundos (War of the Worlds), um verdadeiro anti-Contatos Imediatos, já que os e.t.s são malvadões e o protagonista Ray – parece Roy, não? – Ferrier (Tom Cruise) luta desesperadamente para não perder a sua família. Mas que ninguém acuse o cineasta de ser incoerente! O tempo também tratou de despi-lo de sua inocência.

Ah, como é chato ser cético! Além de perdermos as esperanças quanto a este mundo, também deixamos de crer em uma providencial carona para o espaço!

No próximo post, tem mais do tio Spielberg...

7 Comments:

  • Paulo, Gozado ver você falar isso porque quando eu era pequeno tive essa mesma sensação, mas com outro personagem Spielbergiano: no caso, o menino Elliot de E.T - O extraterrestre. Eu queria ser aquele garoto curioso que descobre o alienígena na garagem de casa e o leva para dentro, escondido da mãe, dividindo seu segredo com os irmãos. Como esquecer da cena das bicicletas voando? impossível. Só tornei a sentir algo do tipo anos mais tarde quando vi Cinema Paradiso e fiquei deslumbrado com o menino Otto que todo dia ia ao cinema para perturbar o projecionista. Abraços do crítico da caverna cinematográfica.

    P.S: Spielberg para mim é eterno. Foi o primeiro cineasta a me fazer sentir-se vivo em minha humilde vida cinéfila.

    By Anonymous Anônimo, at 10:18 AM  

  • Lindo post, sócio. Digno da beleza do filme retratado. Talvez seria melhor se todos nós voltassemos a ter um pouquinho desta inocência infantil. Inclusive o próprio Spielberg!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 7:36 PM  

  • Grande Paulo,
    Lembro da época em que entrou em cartaz o Close Encounters... Tinha lido uma entrevista com o Spielberg e ele tinha falado que depois de ter feito Tubarão, as pessoas estavam vendo o bicho até em piscininha de plástico e que depois de Contatos Imediatos, eles veriam ET no quintal e discos voadores até em estacionamento de shopping center... E não deu outra!
    O filme é magistral, não resta dúvida! Uma excelente lembrança por intermédio de seu habitual grande texto. Abração!

    By Blogger Marco, at 1:04 AM  

  • Mais um brilhante tributo de Paulo a uma jóia cinematográfica.
    Acho que ainda sou o mais jovem daqui e esse misto de inocência e ingenuidade no modo de enxergar as coisas ainda não foi quebrado. Mesmo que isso venha a ser atenuado com o pesar dos anos e da experiência de vida nas costas, acho que as pessoas que perdem essa parte por completo não devem ser tão suscetíveis da magia do cinema. Spielberg sabia colocar isso em celulóide como poucos.

    Cumps.

    By Blogger Gustavo H.R., at 4:44 PM  

  • Ótimo post e que realmente mostra a sensação que temos ao assistir esse filme do Spielberg, que já nos mostrou filmes que fizeram parte de nossa vida e de tão grande sucesso. Até nos seus filmes mais sérios ele sabe o que falar, como o recente Munique, que é um dos mais maduros filmes do Spielberg. Vamos crescendo e perdendo nosso lado infantil, nossos sonhos. Eu mesmo, que sou novo ainda, não quero perder essa característica jamais no futuro.

    By Anonymous Anônimo, at 2:30 PM  

  • Ah. Belo texto. Contatos Imediatos, Spielberg, E.T. ... Que soberbo. E sabe, cada vez que penso em Contatos Imediatos, mas dele gosto. É um filme mágico certamente.

    By Anonymous Anônimo, at 1:20 PM  

  • Roberto, o E.T., do filme homônimo, também fez parte do meu imaginário infantil. De fato, raras foram as crianças dos anos 80 que deixaram de se encantar com este e outros personagens das fitas que Steven Spielberg dirigia ou produzia naquela época. Por conta disto, penso que a sétima arte está em dívida para com este cineasta pela geração de cinéfilos que ele acabou criando.

    Sócio, seria mesmo bom ver o velho Spielberg de volta. Apesar de apreciar muitos de seus trabalhos atuais (de fato, não perdi nenhum nos cinemas), também sinto falta daqueles filmes inocentes que fazia. Era a magia do cinema em seu estado mais puro. Por outro lado, entendo que tudo muda, das pessoas ao mundo que as cerca. Os tempos são outros e Spielberg também. Para o bem ou para o mal!

    Grande Marco, é interessante o poder que determinados filmes exercem sobre o imaginário das pessoas, não? E Spielberg era muito hábil em mexer com isso! Para quem assistiu aos filmes que citou, fica difícil não fantasiar a aparição de seus personagens mais famosos no mundo real. Neste sentido, que atire a primeira pedra aquele que nunca entrou no mar e imaginou a chegada de um tubarão ao som do “ta-tã-tã-tã-tã” do John Williams.

    Gustavo, você tocou num ponto interessante: sentir-se tocado pela magia do cinema é um bom indício de que a inocência não foi de toda perdida. Vendo por este lado, creio que, no meu caso, ainda é muito cedo para lamentar por uma suposta privação de ingenuidade. Oba!

    "For All", seja bem-vindo ao Cinelândi@! Em primeiro lugar, agradeço pela visita e pelos elogios. Quanto a Spielberg, embora tenha deixado para trás seus filmes “menos sérios”, não resta dúvidas de que a alta qualidade de seu trabalho na condução de filmes não se perdeu com o passar do tempo. Apesar de roteiros equivocados que anda escolhendo... Volte sempre!

    Gabriel, quando um filme é apreciado ainda mais a cada vez que nos lembramos dele, um anjo ganha uma asa no céu de Hollywood! :-D

    Abração pra todos!

    By Blogger Paulo Assumpção, at 3:41 PM  

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