E O OSCAR VAI PARA... BROKEBACK MOUNTAIN ?

Os cowboys de O Segredo de Brokeback Mountain, Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal), não vivem no Velho Oeste, mas numa América um pouco mais contemporânea (o recorte temporal do filme vai da década de 1960 à de 1980), porém ainda tão conservadora quanto a do século XIX. Pastoreando ovelhas na montanha que dá nome ao filme, Ennis e Jack descobrem-se apaixonados. Terminado o serviço, ambos retomam as suas vidas ditas “normais”, ou seja, se casam com mulheres, têm filhos, porém não são felizes. Passado algum tempo, eles se reencontram. Jack propõe que deixem tudo para trás e passem a viver juntos. Ennis, ciente do quanto o preconceito pode ser brutal, não concorda. Tal atitude condena o relacionamento de ambos a esporádicas temporadas na montanha Brokeback.
Ang Lee não demonstra a menor pressa em contar esta história. O ritmo do filme é propositalmente lento. O que em outros casos seria um revés, aqui está na medida certa para que o público possa sentir as angústias dos personagens. Não só as dos protagonistas, cada vez mais frustrados com uma relação amorosa tão cerceada, mas também daqueles que estão ao seu redor, sobretudo Alma (Michelle Williams), que sofre calada ao descobrir a real identidade sexual do marido Ennis.
O maior mérito do filme, no entanto, é a abordagem adequada do homossexualismo. Em primeiro lugar, Ennis e Jack não trocam de sexualidade de uma hora para outra. A cena inicial, do primeiro encontro entre eles, com seus olhares que se buscam de modo enviesado, já demonstra os sentimentos que ocultavam. Em segundo lugar, também não há uma “redenção sexual”. Nenhum dos dois se arrepende de ser homossexual e volta correndo para os braços da esposa. Por fim, Ennis e Jack não são afetados. Eles são homens. Entendam, só há dois sexos, embora existam muitas sexualidades. O que fazem na cama ou o que sentem um pelo outro não os transforma em mulheres ou pseudomulheres. Assim, o filme foge do estereótipo tão comum no cinema de que todo homossexual precisa ser afrescalhado ou se vestir como Carmen Miranda.
O preconceito também é retratado de modo sutil. Dificilmente o vemos, mas sabemos que ele está lá, como um peso que os protagonistas são forçados a suportar. Da mesma maneira que ele estava presente na sala de cinema em que fui assistir ao filme. Ao menos no início, quando cada incursão sexual ou carícia do casal protagonista era acompanhada por piadinhas ou risos nervosos. Ouvi até um “ofendido” (por que será?) ameaçando abandonar a sessão. Aos poucos, o silêncio começou a tomar conta do lugar. Ou a platéia cansou ou entendeu que o amor pode ser expresso de diferentes maneiras, ainda que estas sejam completamente diferentes das nossas. Se foi assim, talvez os Ennis e Jacks da realidade encontrem um mundo em que possam viver plenamente e sem temor as coisas que mandam seus corações.

14 Comments:
Estou curiosíssima para ver esse filme. Mas ainda mais pelo "Paradise Now. Depois de ver "Munique", preciso dessa continuação... Abraços!
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Belisa Figueiró, at 12:02 AM
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Marco, at 12:03 PM
Eu também fiz um texto sobre este "Brokeback", mas só vou libera-lo no Antigas Ternuras depois de assistir a todos indicados ao Oscar de Melhor Filme. Só está faltando assistir a "Capote" (que ainda não estreou no Brasil). Eu tenho uma outra visão sobre o Brokeback. Talvez um tanto politicamente incorreta...
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Marco, at 12:09 PM
Não gostei do filme. E cada comentário do filme mostra q eu sou o único.
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Anônimo, at 1:24 PM
Xará,boa tarde.
"Entendam,só há dois sexos,embora existam muitas sexualidades."
Estupenda frase!
Irretocável crítica; de tão ponderada,visionei o que não vi.
Sem ser tatibati como aquele personagem antiga ternura (com licença,Grande Marco) do Jô Soares,virei a casaca,e,ao invés de "Munique",ponho "O Segredo..." na pole position da minha
dileção.
Obrigado,meu clareante sétima arte.
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Anônimo, at 5:35 PM
Errata
Leia-se: "tatibitati".
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Anônimo, at 5:37 PM
Por que levaram tanto tempo para fazer um filme tão competente assim, com apelo maior, sem assustar o grande público?
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Gustavo H.R., at 10:09 PM
otimo texto
[]'s
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Anônimo, at 10:34 PM
Semprei achei Ang Lee o cara! Aliás, desde que chorei vendo O Banquete de Casamento, outro grande trabalho dele envolvendo a homossexualidade
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Miguel Andrade, at 9:55 PM
ainda nao vi, mas com a proximidade dos premios, tenho que ir ver.
um grande abraço
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Anônimo, at 11:38 PM
Otima observação sobre sexo e sexualidade, é inquestionavel a maneira como lee conseguiu universalizar o amor em Brokeback.
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Anônimo, at 2:14 AM
Belisa, se ainda não o fez, mate logo esta sua dupla curiosidade. Aliás, também pretendo assistir a Paradise Now. Mas, cadê tempo para isso?
Marco, já estou curioso para ler o que você aprontou com Brokeback Mountain. Dentre os candidatos ao Oscar principal, para mim também só falta ver Capote.
Gabriel, você não está solitário. Para citar um exemplo, o crítico do jornal O Globo que avaliou Brokeback Mountain também não gostou do filme.
Sócio, para você que é o mais viajante da turma, não creio que seja tão cansativo dar um pulinho aqui no Rio para ver bons filmes.
Xará Patriota, creio que verá seu favorito receber a bandeirada final, ou melhor, o Oscar. Em tempo, não lembro deste personagem do Jô. Vai ver eu não era nascido. :-D
Gustavo, a julgar pelo comportamento inicial da platéia na sessão em que vi o filme, posso dizer que, lamentavelmente, o público ainda se “assusta” com este tipo de fita.
Jedi, obrigado pelo elogio. Que a Força esteja com você!
Miguel, ainda não assisti a O Banquete de Casamento, mas também aprecio o trabalho de Ang Lee, inclusive em Hulk, detestado por muitos.
Carla, aproveite mesmo o pretexto da chegada do Oscar e não deixe de ver Brokeback Mountain no cinema.
Xará Jr., seja bem-vindo de volta ao Cinelândi@! Concordo com seu comentário e acrescento: ao universalizar o amor, Lee fez o mais relevante de seus trabalhos.
A todos, agradeço pelos comentários. Grande abraço!
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Paulo Assumpção, at 10:30 PM
Olá! A sumida voltou. Rapidinho, como sempre. :o)
Milagrosamente, consegui assistir "O Segredo...". Graças a Deus a platéia era educada. Gostei muito do filme, mas na minha opinião (modesta, de "não cinéfila"), não é filme pra "ganhar Oscar"... Pra mim, valeu muito, pela história, e pela maneira como foi desenvolvida. Sem falar da fotografia, belíssima. Enfim, vamos aguardar. Como não vi os outros, não posso opinar. Beijinhos, e até qualquer hora.
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Lena Gomes, at 10:05 PM
Olá, Lena! Seus comentários de “não cinéfila” estão perfeitos. Também não vejo este filme com o típico perfil de vencedor do Oscar. Se bem que a concorrência (Crash, Boa Noite e Boa Sorte, Munique) não escapa desta mesma avaliação. Felizmente, são todos de excelente qualidade. Bom te “ver” por aqui! Um beijo!
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Paulo Assumpção, at 1:42 PM
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