sexta-feira, janeiro 06, 2006

NAU SEM RUMO - Vol.2: Marcas da Violência

No primeiro texto desta série “Nau Sem Rumo”, tratamos do uso irresponsável de recursos fílmicos pouco ortodoxos no filme francês Irreversível (Irreversible). Recursos que, além de carregarem o peso do mau gosto, eram utilizados de forma gratuita, sem nenhum sentido artístico. O diretor tornou tais recursos um fim em si mesmos, sem dar um rumo à sua trama. Nem mesmo em termos alegóricos, simbólicos ou reflexivos.

Guardadas as devidas proporções, é mais ou menos o que ocorre no alardeado Marcas da Violência (A History of Violence), de David Cronenberg. Película saudada pelos críticos profissionais como a obra-prima do cineasta e uma crítica profunda à violência em nossa sociedade. Assisti ao referido filme tomado destas expectativas positivas e confesso que o resultado final, além de decepcionante, foi incoerente, contraditório e, muitas vezes, ininteligível.

Na abertura da trama somos apresentados a um par de assassinos frios. Depois, vemos uma família típica do interior dos Estados Unidos, levando sua vida dentro da “normalidade”. Mesmo antes da trama esquentar, alguns “desvios” nesta vida idílica do interior nos são mostrados. O filho mais velho do casal tem problemas com valentões na escola e se recusa a usar a violência física para resolvê-los. E, na primeira cena exagerada, o público é obrigado a acompanhar demonstrações de “criatividade” sexual do casal até os mínimos detalhes. A sensação de perplexidade começa a brotar.

Na seqüência dos fatos, os assassinos mostrados no início tentam assaltar o café onde trabalha o protagonista, vivido por Viggo Mortensen. Os bandidos são mortos pelo “herói”, que demonstra habilidades para matar em excesso, para quem é apenas um pacato pai de família do interior. A partir daí surgem mafiosos afirmando que o "pacato" pai de família é, na verdade, um mafioso foragido. É também neste ponto que Cronenberg começa a perder as rédeas de seu projeto.

O que até então parecia uma crítica séria à violência, toma cores de apologia à mesma, resvalando ainda nos limites do humor negro. Os assassinatos, em alguns momentos, passam a ter um tom quase humorístico. A violência, por fim, passa a ser apresentada como a única saída viável para a maioria dos problemas. A película perde completamente a sua identidade. Começamos a nos perguntar: É um filme pacifista? É uma apologia à violência? É uma sátira? É um filme sério? É tudo isto ao mesmo tempo? (O que, filosoficamente, equivale dizer que não é nada disso!) Ou é apenas um mote para nos levar a uma reflexão? Mas, se for, qual reflexão?

Talvez por uma limitação intelectual ou por causa da minha natureza crítica, cheguei à conclusão de que este filme nem é merecedor destas divagações. Ele é apenas a ausência. Ausência de um rumo, de identidade, de uma trama coerente... Resumindo, ausência de sentido!

Parece-me que Cronenberg, a exemplo do que acontece em Irreversível, só que em menor grau, vale-se de recursos cinematográficos que visam escandalizar o público, como fins em si mesmos. No fundo, tais recursos não se prestam a nenhum objetivo artístico. A cena do “estupro consentido” (se é que isso existe!) envolvendo os personagens de Mortensen e Maria Bello, o humor involuntário (ou não) das seqüências de assassinato, a violência como caminho para a auto-afirmação adolescente e heterossexual, todos estes elementos terminam por não contribuir para nenhuma reflexão mais coerente, a não ser a crítica ao filme.

Aos defensores do filme, peço desculpas por algum eventual exagero. Confesso, com toda sinceridade, que demorei a assimilar esta trama. Fiquei confuso. E escrever este artigo foi tarefa duríssima, diante da aparente esquizofrenia desta película. Talvez minha mente, ainda presa a resquícios de admiração por uma narrativa linear e racional, não possua tal capacidade de abstração para filtrar as mensagens de “Marcas da Violência”. Enquanto isso não ocorrer, sustento minha tênue, mas apaixonada opinião!

10 Comments:

  • Ainda assim, Evandro, eu nutro boas expectativas sobre este filme. Mesmo com todo o texto aparentemente negativo com relação a ele, vou assistir (assim que passar aqui) e conferir se minha opnião bate com a sua. Um abraço, e mais uma vez parabéns pelo OmniCam. Merecido! Abraços!

    By Blogger Luiz Henrique Oliveira, at 3:22 PM  

  • Evandro, assino embaixo de cada palavra que você escreveu sobre este filme. Eu fui assisti-lo com uma amiga, ambos cheios de expectativas, pois era um "Cronemberg"! Saímos os dois do cinema dizendo: "bleargh!". Entrou direto na minha lista de Piores de 2005. Sei que tem gente que viu qualidades nesta obra. Para mim, há dois filmes ali. Um, até a metade, é apenas razoável. O outro, do meio pro fim, é Tarantino de quinta categoria. Na verdade "Marcas da Violência" nem merece tantas palavras assim. É um mau filme e...deixa pra lá.

    By Blogger Marco, at 11:06 AM  

  • Não poderei ler o texto pois ainda não assisti ao filme e tenho esperanças de fazê-lo (embora a própria campanha de marketing pareça fazer questão de ser apregoada de spoilers).
    A comparação com IRREVERSÍVEL não me cheira bem. Será mesmo que Cronenberg se excedeu???

    By Blogger Gustavo H.R., at 1:32 PM  

  • Não gostei desse filme por diferentes razões das suas, mesmo considerando-as válidas. Não vejo Marcas da Violência como um filme sério, e sim como uma sátira a violência perpetuada na América. Mas o que me incomoidou mesmo foi a falta de criatividade e inventividade nos recursos estilistícos e na rapidez que a trama ocorre. Parece não haver conflitos, e tal ocorrido per de sua dimensão. Sem querer desmerecer a filmografia de Cronenberg, mas parece que ele tenta imitar Tarantino e não consegue.

    By Anonymous Anônimo, at 8:10 PM  

  • Xará:

    Ainda volto por aqui para - como o Marco Santos já apreendeu - sorver devagarinho este pródigo espaço.

    Muito obrigado pela tua opinião sobre minhas pálidas croniquetas.

    Disto isto,informo que vou colocar num átimo o link do teu blog no "VALE A PENA" do meu ZOOM,deixando-o em alta suntuosidade.

    Abraço cinemê.

    By Anonymous Anônimo, at 8:55 PM  

  • Respeito seu ponto de vista, apesar de discordar completamente dele. hehehe E gostei bastante de Irreversível (inclusive tenho o DVD).

    By Anonymous Anônimo, at 6:10 PM  

  • Paulo:

    Devo ser metido a besta - ou muito forreta para jogar meus cobres num filme assim.

    Só assisto "violências artísticas" de São Peckinpah e Santo Leone.

    Coisas como "Irreversível" me são irreversivelmente intragáveis.

    Abraços.

    By Anonymous Anônimo, at 3:28 AM  

  • Sócio, concordo em gênero, número e grau. Prefiro o Cronenberg de "A Hora da Zona Morta" ou "A Mosca". Podiam não ser tão relevantes ou polêmicos, mas o tom daqueles filmes não era errático como neste "Marcas da Violência".

    Xará, faz bem em guardar os seus tostões. Obrigado pelas visitas, pelos comentários e pelo link. Já estarei lhe retribuindo, fazendo o mesmo pelo seu Zoom Cotidiano. Sinta-se sempre bem-vindo!

    By Blogger Paulo Assumpção, at 12:41 AM  

  • Quando não entendo algo, não critico.
    Gostei muito do filme e só não vou escrever o que penso dele aqui porque já escreveram.
    Está na Revista Contracampo, cujo site, quem gosta de cinema conhece.

    By Anonymous Anônimo, at 5:56 PM  

  • eu ja assisti esse filme e achei muito legal!.

    By Anonymous Anônimo, at 9:36 AM  

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