sexta-feira, junho 16, 2006

UM DIRETOR EM QUEDA

Muitas vezes a expectativa em relação a um filme pode ser o pior tempero para uma avaliação coerente sobre o mesmo. Entretanto, foi impossível para mim não criar expectativas positivas sobre a aclamada obra de Clint Eastwood chamada Sobre Meninos e Lobos (Mystic River). Já havia assistido ao seu último filme, Menina de Ouro (Million Dollar Baby), e por diversas razões ainda não tivera a oportunidade de conferir seu tão reverenciado trabalho anterior. Colaboravam para este clima de grande expectativa as infindáveis referências às interpretações de Sean Penn, Tim Robbins e de todo o elenco de forma geral.

Infelizmente, a maior parte destas expectativas foram frustradas quando finalmente tive a oportunidade de conferir o referido filme. Não consegui perceber na direção a personalidade que notamos em outras obras de Eastwood. O filme não consegue emocionar como parece ser a sua pretensão. O fatalismo exagerado empobrece sensivelmente a narrativa. Os personagens parecem estar fadados a cumprirem seus tristes destinos. Nada pode evitar este fato. Não há possibilidade de mudança. Uma mistura de determinismo genético e social torna os personagens meras marionetes nas mãos de um destino inevitável. Além de tudo, a interpretação de Sean Penn, tão reverenciada, parece em muitos momentos exagerada e desmedida. Quem teve o prazer de assistir a 21 Gramas sabe que o ator é capaz de fazer muito melhor.

Seria injusto não ressaltar a excelente atuação de Robbins, realmente digna de premiação. Não há exageros para chamar a atenção do público ou dos críticos. É uma atuação na medida certa, dando conta da perturbação contida do personagem, com perfeição. Apesar disso, há momentos de certos atores que soam constrangedores. A cena em que a esposa do protagonista faz um discurso defendendo a conduta do marido leva a competente Laura Linney à beira do ridículo. O filme que vinha até então dominado por diálogos cotidianos, de repente toma conotações de texto shakespeariano, numa grotesca contradição. O texto era tão desconexo com o restante do roteiro que nem o talento de Linney salvou a cena do desastre total.

Creio que esta minha avaliação negativa desta película não foi fruto apenas de expectativas exageradas. Ousaria dizer que, na minha visão, Eastwood é um diretor em queda. Olhando sua carreira desde o soberbo Os Imperdoáveis (Unforgiven) até o supervalorizado Menina de Ouro, passando pelo fraco Um Mundo Perfeito (A Perfect World) e o também decepcionante Sobre Meninos e Lobos, a conclusão é que o diretor não é mais o mesmo.

Em Os Imperdoáveis, o fatalismo até estava presente, é verdade. Porque o protagonista acaba não conseguindo fugir do que era antes. No entanto, o seu comportamento é melhor analisado. Uma combinação de acontecimentos e fatores leva à retomada dos velhos hábitos. O determinismo não tem tanto espaço. Além disso, o filme vai muito além da situação “personagens escravos de seu destino inescapável”. Eastwood é muito competente em retirar todo o glamour e idealizações infantis sobre os pistoleiros do Oeste. Não são heróis corretos moralmente, mas bêbados, brutalizados e violentos. Desaparece o herói personificado por John Wayne e abre-se espaço para a verossimilhança histórica. Os mitos do velho Oeste são desconstruídos. Tudo isso, aliado às interpretações irrepreensíveis de Gene Hackman, Morgan Freeman e do próprio Eastwood, tornam Os Imperdoáveis um dos melhores westerns da história do cinema.

É uma pena que algo tenha se perdido no meio do caminho. Nos três filmes seguintes, tudo se resume à idéia: “não conseguimos escapar ao destino que Deus, a genética ou o meio social nos reservaram”. A humanidade nos é retirada. O homem passa a ser apenas um passageiro em sua estranha viagem pelo mundo. É provável que eu esteja errado, mas recuso-me a aceitar esta sentença. E exatamente por isso, não posso fazer parte do numeroso grupo de cinéfilos que considera Eastwood um dos melhores cineastas de hoje.

Pode ser que Eastwood, com mais de setenta anos de idade, saiba mais da natureza humana do que eu um dia virei saber. No entanto, na inexperiência e ingenuidade dos meus 32 anos, mantenho minha fé na capacidade do homem de, contra todos os prognósticos e fatores determinantes (genéticos, sociais e etc), construir a sua própria história neste mundo louco, injusto, mas, acima de tudo, aberto e imprevisível.

13 Comments:

  • Caro sócio, concordo inteiramente com sua crítica ao determinismo. No entanto, se esta míope visão de mundo está mesmo presente em filmes como Sobre Meninos e Lobos ou Menina de Ouro, creditaria tal coisa aos seus respectivos roteiristas. No máximo, ao produtor Clint Eastwood, pela escolha dos textos. Por outro lado, na condição de diretor, Eastwood demonstra uma sensibilidade ímpar ao capturar emoções e transmiti-las a quem assiste aos seus filmes. Qualidade esta que não está ausente de suas obras mais recentes. Olhando por este ângulo, será que você não está sendo duro demais com o velho Clint?

    By Blogger Paulo Assumpção, at 12:23 AM  

  • Olá Evandro!

    Também não gostei de Sobre Meninos e Lobos. seu texto está arrasador ( principalmente o sincero final). essa distorcida visão de mundo apresentada por Clint me deixou com cara de pastel ao final de seus filmes.

    Personagens fragilizadas, expremidas, por um cinema de comoção fácil.

    abraços pra ti e pra paulo
    Iris

    By Blogger Iris de Oliveira, at 10:41 AM  

  • Não entendo sobre determinismo, mas acho que entendi o que está querendo dizer. Aplicando essa visão sobre o filme, fazem sentido tais restrições, mas ainda assim considero uma obra válida e admirável de Eastwood.

    Cumps.

    By Blogger Gustavo H.R., at 10:54 PM  

  • Grande Evandro,bom sábado!

    Como ainda não assisti a esta película comentada,não poderia imprimir meu juízo claro a respeito da mesma. Entretanto,pelo que Você discorreu,desassombrosamente,já é-me possível vislumbrar um quê de débâcle no que fora mãos seguras do cineasta em questão. É comovente.

    Daquele Eastwood deslumbrante,me ficou incrustada na memória sua direção de "Bird",que vi em Sampa (no ano de 1988,se não me engano).

    Melancólico - meio depressivo até -filme sobre a vida dohomem que virou símbolo do jazz.

    Clint Eastwood buscou em F. Scott Fitzgerald uma legenda para Charles Parker nessa obra,pois o saxofonista,ao morrer em 1955,aos 34 anos,mostrou que sua vida teve apenas um ato!

    Parabéns,meu caro. Siga sempre assim na linha reta da insuspeita opinião.

    Abraço.

    By Anonymous Anônimo, at 12:48 AM  

  • Realmente, Evandro, Sobre Meninos e Lobos é muito fraco (na tela). Faço-lhe um convite: leia o romance de Dennis Lehane. É monumental. Acredito a cada dia mais que as produtoras deveriam deixar os autores originais das obras adaptadas se envolverem na produção cinematográfica. Veja o caso de O Jardineiro Fiel. É coerente sem ser fiel em demasia. Fernando Meirelles recria o romance, com clara ajuda do autor do livro, John Le Carré. Não sei dizer se Clint Eastwood está em queda ou não (prefiro acreditar que se trata de apenas uma fase ruim que passará em breve). Melhor aguardar Flags of our Fathers, seu próximo filme a ser lançado no Brasil. Abraços do crítico da caverna.

    By Anonymous Anônimo, at 4:45 PM  

  • Oi Evandro! Concordo com o Roberto Queiroz, em relação a decadência ou não decadência de Eastwood, um diretor que mostrou sensibilidade em seus filmes (nunca esquecerei do filme "Bird"). Prefiro acreditar que pode ser uma fase não muito boa e que brevemente, será contornada. Não tenho a mesma visão que você do filme "Sobre Meninos e Lobos". Gostei do filme e não acho a cena da personagem da Laura Linney, em que ela justifica os atos do marido, à beira do ridículo. A personagem me surpreendeu, pois ela se manteve meio "na sombra", e se revelou uma pessoa dissimulada e capaz de tudo para defender o que lhe era importante (até de concordar e apoiar o marido que havia cometido um crime). Como você pegou "pesado"! Abraços!!

    By Anonymous Anônimo, at 12:51 PM  

  • Espero realmente estar enganado, sócio. Torço para que os próximos filmes do velho Clint sejam espetaculares e eu venha a escrever um post só com elogios. Enquanto isto não acontece, sustento minha crítica e não acho que seja culpa só dos roteiristas.
    Respeito sua opinião, Gustavo.
    Grande Paulo Patriota. Vamos torcer para que Eastwood volte a mostrar todo o seu talento nos próximos filmes.
    Torço para que eu esteja errado, Roberto. Tomara que o Eastwood retome a velha forma em suas próximas obras. Está anotada a sua sugestão e agradeço por enriquecer esta discussão, com a sua coerente observação sobre os problemas das adaptações.
    O que você chama de surpresa, Ana Lúcia, eu chamo de incoerência. A cena da esposa justificando os atos do marido é ridícula porque é incoerente! O filme vinha com falas cotidianas e corriqueiras e, do nada, um personagem faz um monólogo com traços shakespearianos! Para mim é contraditório, para você surpreendente. Qual do nós está certo? Confesso que não sei! Talvez os dois! Um abraço!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 3:41 PM  

  • Já estava esquecendo a sua resposta, Iris. Agradeço as suas palavras sobre o texto e concordo totalmente com as suas observações. Seja sempre bem-vinda no Cinelândia!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 3:44 PM  

  • Grande Evandro,
    Democraticamente, discordo da sua avaliação de Sobre Meninos e Lobos. Quem é ator sabe o baita trabalho de direção de atores que tem nesse filme. Mas respeito e até admiro o seu texto corajoso.
    Um forte abraço.

    By Blogger Marco, at 3:53 PM  

  • eu sempre disse isso, mas eu sou um zé ninguem :D

    []´s

    By Anonymous Anônimo, at 11:57 AM  

  • Faz um bom tempo já que assisti ao "Sobre meninos e lobos" e lembro que o filme me emocionou na medida do aceitável. Nada extraordinário, mas também nenhuma maravilha.

    O Penn não é o meu ator preferido, mas concordo plenamente que em "21 Gramas" ele foi muito melhor. Aliás, são filmes diferentes, mas ainda prefiro a trama de Iñáritu.

    Dos diretores que estão mais pra lá do que prá, mas ainda mandando ver na telona, fico com o portuga Manoel de Oliveira, com 96 anos e uma lucidez... de Saramago. Hehehe! Abração!

    By Blogger Belisa Figueiró, at 1:40 PM  

  • Retificando:

    "Nada extraordinário, mas também nenhuma PORCARIA."

    By Blogger Belisa Figueiró, at 1:42 PM  

  • Grande Marco, é lógico que você tem o direito democrático de discordar. Está anotada e respeitada a sua opinião. Concordo que o trabalho de direção de atores de Eastwood continua excelente. Entretanto, a direção de um filme não se resume a isso.
    Então somos dois, Jedi! hehehe! Falando sério: temos mesmo que expressar nossa opinião, não importantdo se a maioria vai concordar!
    Gostei do "diretores que estão mais pra lá do que pra cá"! hehe!
    Ainda bem que mais alguém acha que Penn foi melhor em 21 gramas do que em Sobre Meninos e Lobos! Um abraço, Belisa!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 8:19 AM  

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