domingo, dezembro 11, 2005

NAU SEM RUMO - Vol.1: Irreversível

Hoje em dia, em pleno século XXI, não podemos considerar que exista apenas um conceito de cinema e de filme. Aqueles filmes “fechados”, com início, meio e fim, que aprendemos a gostar quando crianças, não podem continuar sendo nossa referência única. Vivemos um período em que muito se fala sobre diversidade e o respeito à mesma. Não há mais um padrão único que vá se impor aos outros. Nem mesmo a toda poderosa indústria cinematográfica de Hollywood pode ser tomada como um padrão, visto que obras maravilhosas são realizadas fora dos EUA e, muitas vezes, com qualidades artísticas muito superiores.

Exatamente por isso, tento estar abertos às novidades. Mesmo que seja difícil compreender a sua totalidade, tenho perseguido este ideal de absorver os novos conceitos de filme, de cinema e as novas concepções sobre a arte em geral. Não podemos ficar presos àquele tradicional conceito hollywoodiano de que a história se dá numa seqüência lógica de começo, meio e fim, onde todas as respostas são dadas claramente ao público. Insistir nestes cânones fatalmente levaria a uma visão pobre e limitada sobre o que venha a ser cinema. Sem falar que esta postura gera uma certa intolerância cultural, que pode ser um caminho para formas mais graves de intolerância.

Esta apresentação inicial, impessoal e formalista, foi necessária para que o restante do artigo não seja confundido com preconceito ou padronização cultural. Certamente reconheço a validade de conceitos cinematográficos inovadores ou até mesmo de vanguarda. Contudo, o “novo” tem que fazer um mínimo sentido. Um recurso fílmico não ortodoxo deve estar ligado a um objetivo claro e determinado, ainda que simbólico ou alegórico. Simplificando: um diretor não deve, na minha visão, chocar o público só pelo prazer de chocar. Uma história pode não estar organizada numa seqüência lógica, mas deve ter um rumo, um objetivo a ser alcançado. Mesmo que a idéia do cineasta seja levar o público a uma profunda e lenta reflexão, iniciada a partir da não compreensão da totalidade da história. Ainda assim existirá um objetivo.

Infelizmente não consegui perceber qual é o rumo da nauseante (isto não é um trocadilho) seqüência de acontecimentos bizarros chamada Irreversível (Irreversible). O asco é o sentimento mais confortável que um ser humano com o pleno controle de suas faculdades mentais pode sentir diante deste filme. Não apenas pela absurda cena do estupro, asquerosa e repugnante, ou pelo show de horrores dos acontecimentos na boate gay, com destaque para o close no crânio sendo desfigurado. Estes elementos, sozinhos, seriam inegavelmente considerados por muitos, inclusive por mim mesmo, o cúmulo do mau gosto (Este filme me fez recuperar o conceito de bom gosto, que sempre achei esnobe e preconceituoso. Como eu estava errado!). O pior, entretanto, é que estes recursos são usados de forma irresponsável e sem nenhum objetivo. Se estivessem a serviço de alguma reflexão ainda seriam aceitáveis, por mais nojentos que fossem. Mas, a verdade é que são meras firulas do presunçoso diretor (Gaspar Noé) desta “película”.

Aliás, firulas cinematográficas devem ser a especialidade deste cineasta. Além dos exageros absurdos nas cenas de sexo e violência, a câmera rodando todo o tempo, a trilha sonora techno repetitiva e irritante, a narrativa invertida, com a história sendo contada do final para o começo são alguns exemplos do preciosismo vazio.

Um dado curioso: o fato da história ser narrada “de trás para frente” fez um ilustre crítico de cinema e ator brasileiro dizer que esta bizarrice mórbida, chamada Irreversível, tem o estilo dos filmes de Quentin Tarantino. Nunca ouvi um comentário tão equivocado. A violência de Tarantino é estilizada, geralmente a serviço da aguçada ironia que perpassa seus filmes. Já a violência de Irreversível é crua e nua e sem nenhum objetivo artístico.

Para aqueles que consideram Irreversível uma obra de arte, me perdoem. Vai ver que o filme está certo e eu tenho um pensamento muito rasteiro. Quem sabe numa outra vida eu considere arte este tipo de baboseira de mau gosto. Até lá...


11 Comments:

  • Oi Evandro! Em primeiro lugar, quero parabenizar vocês pela casa nova. Espero que o blogspot consiga se comportar direitinho e não pregar mais peças que o weblogger.

    Não assisti ao filme resenhado, mas só em ler a tua apreciação, também fiquei com asco. Aliás, isso me lembra muito o maior ensinamento que o meu diretor preferido disse em sua autobiografia. Não lembro das palavras literalmente, mas, para Federico Fellini, o close era um recurso paupérrimo, já que o espectador é quem deve escolher para onde olhar. O diretor não teria esse poder de manipular a cena.

    Claro que ele usava de vez em quando, mas se tu pegares os filmes e analisar, são raríssimos. E muda completamente a perspectiva. Isso é que é cinema!

    Abração!

    By Blogger Belisa Figueiró, at 10:41 AM  

  • Cruz credo! Você viu isso em DVD? Nos cinemas não está passando... De qualquer forma, entra para aquela categoria "Ôba, não vou" do site "Bom dia porque?" (Você leu o post que fiz no Antigas Ternuras?).
    Estamos com uma boa safra de filmes em cartaz. Você tem várias excelentes opções. Deixe de lado essa coisa "ireversivelmente" ruim.
    Um abraço! E já votei em vocês nas três categorias!

    By Blogger Marco, at 1:22 PM  

  • Sócio, a violência explícita, a câmera inquieta e os sons irritantes deste filme são mesmo de provocar nojo. Mas será que o diretor não está correto em retratar situações como o estupro, o uso de drogas e as agressões de modo a termos repulsa a tais coisas?

    By Blogger Paulo Assumpção, at 2:27 PM  

  • Ao que devo concordar com você.

    É um filme pretencioso, sem nenhum tipo de arte em nenhuma cena. Tudo feito com o objetivo de chocar, acabou dando certo, mas para o lado oposto: chocou pela obscenidade, pelas cenas gratuitas de sexo e violência, pelo seu teor grotesco. Seu roteiro de trás pra frente é mero pretexto para se dizer que o filme é artistico.

    Enfim, uma bela porcaria.

    Abraços a todos, e até breve.

    By Blogger Luiz Henrique Oliveira, at 9:47 PM  

  • eu já nao sei mais o que é gratuito e desnecessário, um dia eu soube, hj nao sei mais. Respeito tua opiniao, e ate concordo bastante com tudo, mas eu gostei bastante do filme.
    []´s

    By Anonymous Anônimo, at 9:53 AM  

  • Sei que deve ser um filme difícil, mas tenho curiosidade em assistí-lo... Acredito na teoria do Paulo sobre os objetivos do filme...

    By Anonymous Anônimo, at 10:13 AM  

  • Eu confesso que fiquei nauseado com este filme, não por ele ser ruim, pois não é, mas existe algumas peculariedades do próprio filme que faz com que nos sentimos mal. ~De fato não é uma obra prima, mas certamente mostra a maturidade do cinema francês, em geral do cinema europeu.
    []´s
    T+

    By Anonymous Anônimo, at 4:10 PM  

  • Adorei esse filme e até comprei-o em DVD, histórias assim, que mostram os extremos aos quais podemos chegar em momentos de tensão, são minhas favoritas. QUer dizer que vcs mudaram de endereço meus amigos? Assim que tiver um tempinho mudo o link de vcs. Um grande abraço para vcs.

    By Anonymous Anônimo, at 6:12 PM  

  • Olá, Evandro! Antes de mais nada gostaria de dar os parabéns os dois pelo novo blog que aliás está muito bom como sempre e fico contente de terem mudado do weblogger, pois várias queria acessar o blog e não conseguia. Muito sucesso na nova fase! Concordo com o que você disse, Evandro, nas suas considerações iniciais, mas não posso dizer que concordo que ela caibam nas característica do filme pois não assistir, apesar de eu ter até ouvido boas críticas. Bjão!!

    By Anonymous Anônimo, at 5:21 AM  

  • Aos amigos Paulo e Evandro:
    Como escrevi no Antigas Ternuras, comecei o meu recesso de fim de ano. Internet agora, só em 2006.
    Mas gostaria de dizer que das muitas coisas boas que me aconteceram neste ano, ter conhecido vocês foi um dos momentos mais gratificantes. Muito obrigado, meu personal teacher, pela força que me deu. O Antigas Ternuras não seria nem metade do que é sem o seu auxílio. Um forte abraço e um Feliz Natal!

    By Blogger Marco, at 4:56 PM  

  • Entende agora o que é enxergar o bom (ou mau, no caso) gosto na arte, Evandro?
    Brincadeiras à parte, não vi o filme e nem o farei. Apelação desse tipo me enoja.

    Cumps.

    By Blogger Gustavo H.R., at 12:55 PM  

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