sexta-feira, novembro 03, 2006

UM NOVO ALLEN?

Há alguns meses, críticas entusiásticas davam conta de que o novo filme do cineasta Woody Allen trazia uma grande novidade na filmografia deste gênio do cinema. Veríamos um Allen diferente, talvez um tanto sombrio e amoral. Aguardei com ansiedade a oportunidade de conferir este fato novo. Algo que só pude fazer com o lançamento de Ponto Final - Match Point (Match Point) em DVD.

Admito que há realmente elementos novos neste filme. O primeiro e mais notável deles é que Woody Allen não está presente na película. Alguns leitores devem estar pensando que não entendo nada a respeito da carreira do diretor. Na verdade, entendo muito pouco mesmo. Mas, obviamente, sei que ele não atuou em vários de seus filmes anteriores. Temos, por exemplo, Melinda e Melinda (Melinda and Melinda) e Celebridades (Celebrity), apenas para ficarmos com os mais recentes. Mas, quando disse que Allen não estava lá, não estava me referindo à sua participação no elenco. Estava querendo dizer que o personagem típico, que considero o alter ego de Allen - o compulsivo, obsessivo, todo enrolado e extremamente engraçado -, não estava lá.

Claro que isso já aconteceu antes, como na “fase Bergman” ou em filmes como Poucas e Boas (Sweet and Lowdown). Se bem que neste último, o personagem central ainda possuía algumas neuras woodyanas, embora fosse inspirado em uma pessoa real. Em filmes como Celebridades, Allen não está no elenco, mas seu personagem típico está lá, interpretado por Kenneth Branagh. Em Melinda e Melinda coube ao talentoso Will Farrell defender este personagem.

Já em Match Point não há espaço para o personagem neurótico típico de Allen. É uma produção evidentemente mais tensa e séria. Mais pesada, como deixa clara a trilha sonora pontuada por trechos dramáticos de óperas e não pelo tradicional jazz, como acontece em tanto outros filmes do diretor.

A temática não é tão nova assim na carreira de Allen. Quem assistiu ao filme Crimes e Pecados (Crimes and Misdemeanors) sabe bem do que estou falando. A diferença e a originalidade estão no enfoque. Enquanto Crimes e Pecados dialoga com o livro Crime e Castigo, de Dostoievski, Match Point parece desafiar a obra do escritor russo. Em Crimes e Pecados, o mote central são os dramas éticos e religiosos que se abatem sobre o personagem central. É bem verdade que este personagem termina por aprender a conviver com a sua própria culpa, sem chegar aos extremos de Raskolnikov, o “herói” do romance Crime e Castigo. Mas isso é conseguido após muito sofrimento. Já o protagonista de Match Point supera sua “culpa” de forma bem mais tranqüila, sem embates éticos ou religiosos, racionalizando seus atos e vencendo seus fantasmas, literalmente. É mesmo um filme livre de certas amarras morais.

Apesar das diferenças desta obra em relação ao restante da carreira, a genialidade do cineasta se faz presente de forma inquestionável. A forma como a cena e as falas iniciais resumem em si a grande ironia que marca a trama foi uma jogada de mestre. Há um momento capital na história que remete à seqüência inicial. A partir daí, você começa a desconfiar da grande surpresa do filme, que foge totalmente daquilo que pareceria o lógico a acontecer. Allen foi extremamente competente neste artifício, nos levando a refletir sobre a importância que algo tão incontrolável como a sorte tem em nossas vidas.

No saldo geral, trata-se de uma obra com elementos novos na obra do diretor, combinados com outros aspectos já explorados em filmes anteriores. Não é uma novidade total, mas talvez uma injeção de renovação no já vasto repertório do cineasta. Apenas espero que seu personagem neurótico, atrapalhado e falastrão, tão característico da sua obra, não desapareça por completo. Certamente ficaríamos carentes deste personagem, tão querido e necessário, e do humor inteligente e irônico, que serve para nos compensar pela onda de comédias grosseiras que teimam em ocupar tantas salas de cinema.

20 Comments:

  • Achei Match Point um filme fantástico. Incialmente pelo excelente roteiro, claramente baseado na obra de Dostoievski, onde a culpa vai aos poucos consumindo o personagem principal até o climax da obra. Além disso, Match Point dá um novo fôlego a carreira do Diretor, que mostra que está longe de ficar preso a suas comédias anuais, com personagens idênticos. Fico muito feliz com o resultado alcançado nesse filme, acho que ele merecia inclusive ter conquistado o Oscar de melhor roteiro, e espero que ele continue variando e mostrando sempre o grande diretor que é. Grande abraço!!!

    By Anonymous Anônimo, at 12:18 PM  

  • Seja bem vindo novamente, Vladimir. Creio que chamar os filmes anteriores de Allen de comédias anuais, com personagens idênticos é desprezar a genialidade deste mestre do cinema. Assista "Desconstruíndo Harry" e "Escorpião de Jade", por exemplo. Ambos tem o personagem neurótico, porém são filmes completamente diferentes!
    Não creio que Match Point seja tão cópia de Crime e Castigo quanto você pensa. Para mim, Allen subverte Crime e Castigo. Inverte moralmente a mensagem do livro.
    Mas, opiniões são opiniões...

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 4:37 PM  

  • Pra mim, "Match Point" é o melhor filme de Wood Allen justamente pela ausência dele na frente das câmeras e um roteiro mais tenso, sem arrogância ou neuroses típicas. Finalmente um longa do diretor que me prendeu na tela grande. Grande abraço, Evandro. Espero uma visita tua no Roda!

    By Blogger Belisa Figueiró, at 8:37 PM  

  • Gostei muito de Match Point, Belisa, mas ele está há quilômetros de ser o melhor filme do diretor. Quem viu Zelig, Desconstruindo Harry ou Anie Hall sabe bem do que estou falando. Digo, para fãs do Woody Allen. Você, natadamente não era fã, então gostou de algo diferente do que ele costuma produzir. É fácil de entender. Mas, para quem se acostumou com o humor irônico e até meio arrogante do diretor, ouvir que Match Point é seu melhor filme, soa como heresia das brabas. Fogueira nela! hehe!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 9:56 PM  

  • notadamente e não natadamente, desculpe o erro.

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 9:57 PM  

  • Evandro, ainda não assisti a Match Point, mas não acredito que veja nesse filme o Woody Allen de que gosto (aliás esse Allen anda sumido a bastante tempo). Gosto do Woody Allen de Manhattan, A Rosa Púrpura do Cairo, A Era do Rádio. Infelizmente, vejo no diretor o mesmo defeito que vejo em Robert Altman: ele se acomodou (e de uma forma que me deixa desapontado ao extremo). Mas, como acredito em reviravoltas - veja o caso recente de Brian de Palma - torço por melhores dias para o velho e neurótico Allen. Abraços do crítico da caverna.

    By Anonymous Anônimo, at 9:10 AM  

  • Você provavelmente tem razão, Roberto. Mas o Woody Allen "acomodado" ainda é muito melhor que a média dos outros cineastas de Hollywood.
    E Match Point é muito bom, vale uma confeirda. Mas, obviamente, está muito distante dos melhores momentos deste grande diretor.

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 10:34 AM  

  • Claro, concordamos 100%. Não sou uma fã de carteirinha do diretor e por isso gostei do filme. Mas eu não ficaria nada triste se ele começasse a perseguir esta linha mais descompromissada com a sua arrogância original.. hehehe! Abração!

    By Blogger Belisa Figueiró, at 12:03 PM  

  • AVISO AOS AMIGOS QUE GOSTAM DE CONVERSAR SOBRE MÚSICA: JÁ TEMOS POST NOVO NO RESTINGA! CONFIRAM E DEIXEM AS SUAS OPINIÕES!!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 2:00 PM  

  • Oi Evandro! Ainda não assisti Match Point, mas depois dos seus comentários, vou alugá-lo. Um abraço.

    By Anonymous Anônimo, at 2:07 PM  

  • Assista mesmo, Ana. Vale a pena! E seja bem vinda novamente!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 8:05 PM  

  • Concordo com vc Evandro, mesmo em seus piores momentos Allen ainda faz filme melhor que a maioria dos diretores, Match Point é realmente muito bom.

    By Anonymous Anônimo, at 10:42 PM  

  • Que bom que concordamos neste ponto, Paulo Jr. Um abraço!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 4:34 PM  

  • Sócio, me parece que nosso bom e velho Woddy Allen neurótico não tardará a dar o ar de sua graça na tela grande novamente. Scoop, seu novo filme por trás e à frente das câmeras vem aí! A julgar pelo trailer e pelas informações já veiculadas sobre ele, me parece que este “novo” Allen de Match Point só estará presente no ambiente londrino e na mais recente musa do cineasta, o pitéu Scarlett Johansson. De resto, mais do mesmo que adoramos em Allen. Ah, e parabéns por mais um “campeão de audiência” no nosso Cinelândi@!

    By Blogger Paulo Assumpção, at 6:16 PM  

  • É com felicidade que recebo essa notícia, sócio. Desta forma, não perderemos este personagem com o qual me identifico muito, já que tenho também as minhas neuroses. hehe!
    Quanto a audiência, agradeço aos nossos estimados amigos, que nos honram com suas presenças.

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 7:42 PM  

  • Evandro, para alguém que diz não entender muito a respeito da carreira do cineasta, suas observações comparativas com as outras obras do cineasta e a própria análise de MATCH POINT a mim (que, na prática, não sei muito sobre os filmes dele) pareceram-me informativas e convincentes. Além disso, partilhamos da mesma opinião a respeito desse elogiado e afiado drama. O conceito trabalhado no enredo em si já é uma tacada de mestre, de grande inspiração.
    Mas, ainda assim, não tenho altas expecativas quanto ao vindouro SCOOP.

    Cumps.

    By Blogger Gustavo H.R., at 2:03 AM  

  • Sinto-me feliz que tenha achado o texto informativo, Gustavo. Suas palavras elogiosas me deixam honrado. Realmente o enredo de Match Point é uma tacada de mestre. E vamos ver o que nos aguarda na nova obra do diretor!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 10:32 AM  

  • Grande Evandro,
    Acho que eu sou a única pessoa na face da Terra que não gostou de Match Point. Para mim, é Hitchcock de quinta categoria. E olha que eu sou fã do Woody Allen!
    Mas a sua resenha é primorosa. Melhor que a crítica que O Globo fez.
    Abração!

    By Blogger Marco, at 1:07 AM  

  • Grande Marco, respeito sua opinião sobre o filme. Quanto a resenha melhor que a do Globo, quem dera!
    De qualquer forma, fico honrado com as suas palavras elogiosas.

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 5:48 PM  

  • Também achei o filme Match Point fantástico, seja pela trama, seja pelas atuações, pela direção do Allen, enfim, foi um grande trabalho na minha opinião. Não sou um grande conhecedor das obras do Allen, preciso conhecer seus filmes mais antigos. Vou passar a procurá-los. Bom blog, vou passar a visitá-lo. Abraço!!

    By Anonymous Anônimo, at 2:24 PM  

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