sexta-feira, agosto 25, 2006

PARA LEMBRAR UM GRANDE AVÔ

A todos aqueles que entram neste blog à procura de idéias e informações a respeito do cinema, peço licença para prestar uma necessária homenagem. Nosso homenageado nunca fez parte do elenco ou da equipe técnica de alguma produção cinematográfica. A bem da verdade, sequer tinha a sétima arte entre seus interesses. Contudo, ele foi um verdadeiro astro para sua família, seus amigos, seus alunos e por tantos outros que passaram por sua longa existência. O protagonista deste post é Sylvio Assumpção, meu avô materno.

Apesar da certidão de nascimento registrar 16 de janeiro, Sylvio veio ao mundo no primeiro dia de 1917 (portanto, sempre celebramos o 1º de janeiro em dose dupla). Naquele longínquo ano, nações do nosso planeta ainda se engalfinhavam em um conflito global, a Rússia em breve seria palco de uma revolução socialista (aliás, a experiência com este sistema acabaria sendo bem mais breve do que o tempo de vida do meu avô) e, no Brasil, vigorava a chamada Política do Café-com-Leite. Tendo em vista a História, não posso deixar de invejar (no bom sentido) o meu avô por ter sido testemunha (quase) ocular dos mais importantes eventos dos últimos tempos. Da Revolução de 30, durante a qual ele viu as tropas rebeladas passarem pela estação de trem do Riachuelo; passando pelo suicídio de Getúlio Vargas, cuja comoção o fez largar definitivamente o cigarro; até a explosão do terrorismo e a corrupção sem fim na política nacional, que ele pouco a pouco foi deixando de acompanhar. Deve ter sido pesaroso constatar que, de um modo geral, a humanidade não se emendava.

Por outro lado, Sylvio foi daquelas pessoas que, como gotas em um oceano, contribuem para que este mundo não seja tão ruim de se viver. Até onde sei, ele jamais levantou uma bandeira desta ou daquela causa, no entanto, sua biografia irrepreensível constitui-se num exemplo para muitos. Nasceu em uma família de posses, ainda assim sempre foi trabalhador. Quando perderam praticamente tudo, não se deixou abater e foi à luta. Mesmo sem ter completado a educação escolar, tornou-se instrutor de química no SENAI/CETIQT. E dos bons! Que o digam os constantes elogios que recebia de seus alunos. Trabalhou com gosto para além da aposentadoria, e quando deixou de fazê-lo a vida começou a lhe parecer menos interessante.

Com minha avó Niza viveu uma história de amor que chega a sete décadas. Não estavam juntos por comodidade, como ocorre em muitas uniões que não resistem bem ao tempo. O carinho e o respeito que nutriam entre eles era facilmente perceptível. Parecia ser difícil pensar em um sem o outro. Porém, cumpriu-se o juramento da cerimônia de enlace, e somente a morte foi capaz de separá-los (fisicamente). Apesar disto, esta senhora que produz tantas lágrimas, não pode ser considerada vitoriosa. Sylvio deixa uma descendência respeitável: quatro filhos, dez netos e três bisnetos. Todos, se não foram diretamente criados por ele, o foram por seus princípios. Em tempos de perda de valores, temos agora a responsabilidade de levar adiante todos aqueles que o fez questão de nos ensinar, sempre com uma tranqüilidade impressionante.

Carequinha e de bigode branco, ele era a perfeita encarnação do arquétipo do avô. Nunca deixou de tratar os seus netos com carinho e sentia orgulho de nossas conquistas. Ainda que estivesse apertado, sempre garantia um presentinho bacana no aniversário e no Natal. Na infância, nos levava para passeios pela orla marítima do Rio de Janeiro em seu Corcel azul (parece coisa de fábula, não?). Aliás, lembro do quanto senti um certo ar de superioridade quando, na época em que minha irmã esteve internada, ele passou a me buscar de carro na escola. Para mim, um luxo que não tinha. Em seu Corcel também viajávamos para a casa de praia em São Pedro D’Aldeia, então um verdadeiro paraíso, onde farreávamos bastante. O amava tal lugar e penso que nunca conseguiu superar o fato de ter que vender aquela casa.

Muito poderia ser escrito sobre o Sylvio, mas não desejo tomar o precioso tempo dos nossos leitores. Contudo, não posso encerrar este post sem deixar registrada uma conclusão a que cheguei nestes últimos dias do conosco. Somente agora me dei conta do quanto a minha personalidade e os caminhos que trilhei nesta vida foram pautados nele. Para o bem ou para o mal, herdei o seu jeito sereno e a aversão por eventos sociais. É possível também que, lá no meu inconsciente, tenha escolhido lecionar por conta de sua profissão, mas certamente o que me contava sobre o Rio em outros tempos despertou o meu gosto pela História. Se já estou sentindo uma enorme falta de ter alguém para chamar de avô, também tenho certeza de que este alguém foi um dos melhores modelos de ser humano que eu poderia ter.

Vô, obrigado por tudo! De onde estiver, manda um abraço pro vô João e pra vó Morena! Diga a eles que também os amo! Fiquem com Deus!

10 Comments:

  • Ô, meu grande amigo, Paulo...
    O seu relato me emocionou, mesmo. É triste ver partir uma pessoa querida.
    mas assim é o ciclo da vida. Nascer, viver, morrer...e renascer, como bem
    disse Allan Kardec. Pelo seu relato, seu avô combateu o bom combate,
    completou a carreira e seguiu para o merecido descanso. Sua vida foi como a
    frondosa árvore que deu muitos frutos, deu sombra e abrigo. Que Deus o
    tenha em bom lugar, até que você e todos os seus o reencontrem.
    O Sistema solar perdeu um planeta, mas ganhou uma estrela. Até um dia, vô
    Sylvio do meu amigo Paulo! Seu neto aprendeu muito bem as suas lições, pode
    ficar tranqüilo!

    By Blogger Marco, at 9:34 PM  

  • REalmente emocionante o seu relato. Sempre é bom homenagear as pessoas que são ou foram importantes em nossa vida. Um grande abraço do seu companheiro cinéfilo.

    By Anonymous Anônimo, at 7:14 PM  

  • Quando enfrentamos um momento triste como esse, nenhuma palavra de conforto adianta muita coisa. Então, não deixarei palavras de conforto, mas uma reflexão:
    Quando alguém querido cumpre sua "viagem" neste mundo de forma digna, devemos pensar que a consciência da brevidade e finitude da vida não deve nos paralisar. Devemos nos espelhar neste exemplo para também vivermos o pouco tempo que temos nesta "nave" com dignidade.
    Um abraço, sócio!

    By Blogger Evandro C. Guimarães, at 8:03 PM  

  • Marcos Santos disse tudo Paulo: Assim é o ciclo da vida. O seu vô Sylvio viveu uma vida de lutas, realizações, bons e maus momentos ao lado de sua avó Niza. Mas tudo isso faz parte da vida, e a dele (pelo seu relato), foi bem vivida. Do bom lugar aonde ele está, tenho certeza que sente, como sempre sentiu, orgulho de toda a sua família! Um beijo.

    By Anonymous Anônimo, at 8:06 PM  

  • Belo texto, Paulo. Sinto pela perda, e sei que sua homenagem é realmente de coração. Seu avô tendo já significado tanto para você, com certeza em vão não foi. Abraços.

    By Anonymous Anônimo, at 8:14 PM  

  • Com todo o respeito pelos seus sentimentos, afirmo que o seu avô Sylvio deve ter ficado muito contente lá no céu com esta declaração de admiração de sua parte, Paulo.
    Não tenho mais meu avô paterno e materno há mais de uma década, e às veze sinto a falta deles na família.

    Cumps.

    By Blogger Gustavo H.R., at 11:30 PM  

  • Alô, Paulo e Evandro! Tem convite pros dois lá no Antigas Ternuras.

    By Blogger Marco, at 9:54 AM  

  • Amigos, agradeço imensamente por suas palavras. Graças a elas, tenho certeza de que pude apresentar, da melhor maneira possível, este ser humano exemplar que foi o vô Sylvio. Obrigado ainda por reforçarem a homenagem feita a ele. Saibam que também contribuíram para deixar meu coração menos triste e pronto para retomar a programação normal da vida e deste blog. Um grande abraço para todos!

    By Blogger Paulo Assumpção, at 3:48 PM  

  • Oi, Paulo! Passei pra dar uma olhadinha, e já vi que vou chorar um pouco por aqui... como não estou "num bom dia", prometo vir ler tudo, num dia em que esteja com astral melhor... como já conversamos sobre o assunto, sei q vc vai me perdoar. Volto assim que estiver melhor. Um beijo carinhoso.

    By Blogger Lena Gomes, at 4:47 PM  

  • Bem!!!...

    Momentos de incertezas, de esperanças e até de um certo egoísmo com Deus em ter juntinho a Ele uma pessoa como Papai, seu Vô Sylvio.
    Como meu herói, nosso herói pai Sylvio nos falou: "É a lei natural!" No entanto, não sabíamos nós que seria fácil aceitar a lei natural com tranqüilidade, emoção e conformismo.
    Não bastaram estes momentos difíceis para me emocionar mais uma vez com sua bravura e a paixão, meu lindo sobrinho Paulo José, a descrever papai, seu Vô Sylvio.
    Pelo carinho que sempre teve por ele e pelo carinho que nunca deixou de ter pela Vó Niza, agradeço do fundo do meu coração por existires fazendo jus ao legado de papai, seu eterno Vô Sylvio.
    Beijos no seu coração.

    By Anonymous Anônimo, at 1:37 PM  

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