UM CONTO CAPRIANO

Como não bebo, não fumo e não cheiro, fiquei obviamente assustado com a súbita presença de um velhinho bonachão. Ele então tratou logo de me pedir calma e se apresentou. Dizia ser um anjo e seu nome era Clarence. Veio com um papo de que precisava cumprir uma missão para obter um par de asas – sonho de consumo de nove entre dez criaturas celestiais (talvez perdendo apenas para a auréola). Um pouco mais tranqüilo, perguntei a ele o que isto tinha a ver comigo. A resposta foi surpreendente: Clarence estava incumbido de impedir que eu pusesse fim ao Cinelândi@.
– Sinto muito, Clarence! – disse ao anjo sem asas – Desta vez não se trata de um mero blefe. Estou cansado, sobrecarregado de trabalho, sem idéias interessantes para novos posts e cheguei à conclusão de que este blog não faz a menor diferença. Seja para mim, seja para outras pessoas. Penso que desperdicei três anos de minha vida com ele. Além disso, há tantos outros blogs sobre cinema por aí que ninguém vai notar quando o Cinelândi@ sair do ar.
Para provar que eu estava errado em meus argumentos, Clarence utilizou um de seus miraculosos poderes e mostrou como seria a minha vida se o Cinelândi@ jamais tivesse sido criado. Naquela realidade alternativa, eu seria dono de uma das maiores fortunas do mundo. Isso porque, ao invés de dedicar o pouco tempo livre que o trabalho me permitia à futilidade de escrever este blog, teria virado autor de um best seller. O livro seria algo sobre crianças mágicas que descobrem nos desenhos da Disney um código capaz de abalar os fundamentos da Igreja católica.
Já estava achando que Clarence ficaria sem suas asas quando constatei que nesta minha vida sem Cinelândi@, o cinema não teria vez. Repleto de compromissos e sob pressão para escrever uma continuação de sucesso para o meu fenômeno editorial, não me sobraria nenhum tempinho para ver filmes. Uma ironia que só não deixava aquele meu outro eu mais triste porque acabei me dando conta de que sem o blog, jamais teria conhecido meus amigos leitores. E até mesmo não manteria mais contato com o Evandro, chapa de longa data. Que existência solitária aquela! Ainda notei que também seria alguém profundamente angustiado por querer dizer tantas coisas sobre cinema, mas não ter um canal apropriado para isso.
– Por favor, já chega! – implorei a Clarence – Você me convenceu! Agora percebo a importância do Cinelândi@ para a minha vida!
De repente, acordei. Tudo não passava de um estranho sonho.
– Acho que ando vendo muito A Felicidade Não Se Compra! – pensei.
Cheio de vontade de continuar o meu trabalho no Cinelândi@, corri para o computador. Quando entrei na Rede, o Internet Explorer me direcionou para uma página na qual, com um som de sino tocando ao fundo, estava escrito: Obrigado pelas asas!.
Fiquei com a impressão de que Alguém lá em cima é cinéfilo e gosta muito de ler os textos deste modestíssimo blogueiro que vos escreve.
7 Comments:
Obrigado, Clarence! por não permitir a extinção do cinelãndi@. O que faríamos nós sem este causídico blog? Isso merece uma indicação de bom filme: assista Kinsey - vamos falar de sexo, do diretor Bill Condon. Quem sabe a inspiração não volta? Abraços do crítico da caverna.
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Anônimo, at 3:20 PM
Caro xará:
O Cinelândi@,no último suspiro,faria rumorejar melancolicamente seus assíduos visitantes.
Apóstolos dos cinéfilos,a dupla tem mais é que expandir o tempo de sobejo para que nós nos ampliemos na lucidez celulóica.
Gostei do conto,muito mais ainda pela menção ao imenso Kapra,realista sonhador!
Abraço fraternal.
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Anônimo, at 6:09 PM
Eu nem preciso do Clarence para me garantir que a existência do Cinelândia é e sempre será importante para a minha consciência crítica de cinéfilo e de blogueiro. O seu blog me proporcionou conhecê-lo e ao Evandro também. Se ele não existisse, eu me teria sido privado de tão enriquecedor conhecimento. Momentos de pouca inspiração acontecem e talvez aconteçam outras vezes. Principalmente para quem escreve sobre um assunto específico - filmes. O panorama cinematográfico de 2006 está bem fraco. Não sei se você reparou, mas há algum tempo não escrevo nenhum post sobre filmes. Nenhum que vi me inspirou também. A minha sorte que escrevo em um blog de variedades e sempre posso recorrer à minha memória, aos meus tempos de moleque.
Continue, Paulo. Os seus escritos, as suas análises fazem toda diferença. Viveríamos sem tê-las mas viveremos melhor com elas.
Um grande abraço e mande um beijo para a sua mãezinha nesse dia.
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Marco, at 10:52 AM
Não sei por que cargas d'água fui arrumar um K para Capra. Foi lapso,sim,mas eu estou a ponto de enterrar-me,sem cruz nem aqui jaz,pela minha alentada displicência. Perdão a todos.
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Anônimo, at 3:10 AM
relaxa...
escrever sem obrigação...
todo mundo vai entender.
Ja pensei isso umas 10 vezes... por dia.
Tem um botão no cérebro escrito FODA-SE e legendas ON e OFF.
Deixa no ON e pronto.
Sem obrigação, sem preocupação.
[]´s
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Anônimo, at 8:12 AM
Abençoado seja o anjo Clarence, agora podendo ser nomeado padroeiro dos blogueiros!
Por esses momentos de dúvida e indecisão todos passamos, mas creio que o apego às nossas crias bate mais forte. Ainda bem.
Cumps.
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Gustavo H.R., at 11:49 PM
É isso aí, Clarence salvando o mundo novamente.
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Anônimo, at 6:51 PM
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