sexta-feira, fevereiro 24, 2006

E O OSCAR VAI PARA... MUNIQUE ?

Uma das questões internacionais mais mencionadas, analisadas e debatidas dos dias de hoje é o conflito entre palestinos e israelenses. Paralelamente, um dos diretores mais cultuados do cinema atual é o premiado e festejado cineasta Steven Spielberg. Quando estes dois elementos bombásticos se uniram, é óbvio que as expectativas dos cinéfilos foram as melhores possíveis. Isto se deu exatamente no filme Vingança, desculpem, Munique (Munich). Um dos pesos-pesados da próxima cerimônia do Oscar.

Talvez a primeira análise a ser feita sobre esta película seja sobre a troca de nome do projeto. Não foi por descuido que deixei escapar o nome “Vingança”. Foi proposital. Creio que este nome seria muito mais adequado do que aquele que acabou chegando aos cinemas. Foi, talvez, uma pequena falta de ousadia num projeto que, obviamente, já foi muito ousado para os padrões spielberguianos. A vingança está no cerne das questões que o diretor procurou suscitar ao longo de quase três horas de projeção.

O sentimento de revanche é mostrado em dois níveis. No nível familiar, vemos o preço que essas pessoas, escolhidas para serem “anjos vingadores”, pagam pela natureza vil de sua missão. A vida privada, a relação e o diálogo com a família, a percepção de mundo e até mesmo a sanidade dos personagens são afetadas pelas implicações éticas e morais de seus atos. São esclarecedoras as duas cenas de sexo do protagonista com a esposa. A primeira, suave e natural. O fato de a mulher estar grávida torna o contexto ainda mais sublime. Na segunda, mais para o final, o clima já é bem diferente. Os fantasmas da vingança já habitam a mente, o espírito e o corpo do personagem.

No segundo nível, a vingança é analisada em relação ao conflito propriamente dito. Spielberg caminha no sentido de uma mensagem politicamente correta, ao mostrar que a vingança, de ambas as partes, só contribui para recrudescer o conflito, alimentar o ódio e tornar aquela guerra cada vez mais irracional. Além disso, a violência aparece como um elemento que só aumenta os problemas. A cada líder terrorista eliminado, outros ainda mais radicais surgem para comandar as ações. Os protagonistas também vão se perdendo cada vez mais, como mostra a ousada cena da morte da assassina holandesa. Uma cena fora dos padrões de violência dos filmes de Spielberg. Uma seqüência crua, mas eficiente em mostrar o processo de embrutecimento dos personagens.

Em termos técnicos, o trabalho do diretor está perfeito. O filme foi muito bem dirigido, principalmente nas seqüências de “ação”. Spielberg construiu com maestria um clima tenso e um tanto sombrio. Dava para sentir a ansiedade e a angústia dos personagens nos momentos anteriores aos seus “ataques terroristas” contra os terroristas. Esta sensação de ansiedade, na minha visão, conseguia transcender a telona e contaminar, no bom sentido, os espectadores. Com certeza o filme Munique figurará entre os grandes trabalhos deste cineasta.

Em termos de atuações, o filme se equilibrou entre erros e acertos. Eric Bana esteve muito competente. Nada que nos surpreenda depois de suas boas atuações no ótimo e injustiçado Hulk e no épico Tróia (Troy). Muitos estão desdenhando do trabalho de Geoffrey Rush. Não faço parte deste grupo, com toda certeza. Os poucos momentos de sua presença no filme foram muito convincentes. Destacaria também o trabalho de Ciarán Hinds, que faz o personagem mais contido do grupo.

Boa parte dos críticos profissionais e amadores estão considerando que Spielberg foi isento, que mostrou os dois lados e deu voz tanto a judeus quanto palestinos. Este é o único ponto em que discordo. Na minha modesta visão, Spielberg está ao lado do protagonista e de Israel. Nem poderia ser diferente. Creio apenas que faltou coragem para assumir isto mais claramente. Ou então sobrou prudência e medo de ataques ao filme. Se foi esse o caso, o cuidado não gerou os resultados esperados porque tanto palestinos quanto israelenses fizeram críticas à película. A cena mais emblemática, onde os palestinos são mostrados claramente como vilões, é aquela em que os terroristas sobreviventes, responsáveis pelos trágicos acontecimentos em Munique, são libertados pelo governo alemão e dão uma entrevista sem mostrar nenhum arrependimento. E ainda esboçam risos irônicos. O ódio que os protagonistas sentem ao ver aquela imagem é imediatamente transplantado para o espectador.

Em outros momentos, o cineasta procurou equilibrar as coisas. Isto, no entanto, não caracteriza a sua visão como isenta. Mesmo porque sabemos que a isenção absoluta não passa de uma ilusão. De qualquer forma, estas questões em nada diminuem o brilho deste filme, que pode ser considerado um passo à frente na carreira deste grande diretor. Conseguindo transcender os estereótipos de filmes anteriores, principalmente O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan), e conferindo mais complexidade e humanidade aos personagens. E, por enquanto, tem a minha torcida para o Oscar.

Indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora e Melhor Edição.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

E O OSCAR VAI PARA... BOA NOITE E BOA SORTE ?

Um dos momentos mais constrangedores da história do Oscar ocorreu na cerimônia de 1999, quando Elia Kazan recebeu um prêmio honorário pelo conjunto de sua obra. Apesar de sua carreira fazer jus à estatueta, o cineasta subiu ao palco recebendo aplausos meramente compulsórios. Tal frieza para com um dos grandes nomes do cinema se deve ao fato de que, cinco décadas antes, Kazan, então um "comunista arrependido", delatou seus colegas de Hollywood ao Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas, espécie de versão moderna para o Tribunal do Santo Ofício que, entre 1950 e 1954, teve como “inquisidor-mor” o senador Joseph McCarthy. Era a época do Macartismo, onda de perseguição aos simpatizantes (ou supostos simpatizantes) do comunismo que deixou os Estados Unidos à beira do fascismo.

A “caça às bruxas” liderada por McCarthy, que não hesitava em servir-se de mentiras e usar o medo da suposta ameaça comunista em benefício próprio, pode ter levado a atitudes covardes como a de Kazan, mas não foi suficiente para calar as vozes de quem se preocupava com os perigosos rumos que a América tomava. Entre os críticos do infame senador estava o apresentador de TV Edward R. Murrow, que, com o aval do produtor Fred Friendly, usou o seu programa na rede CBS para denunciar as arbitrariedades cometidas por McCarthy. Este é o tema do segundo filme dirigido por George Clooney, Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, and Good Luck).

Embora já tenha dado provas disso em seu trabalho de direção anterior (Confissões de uma Mente Perigosa), Clooney confirma aqui que é mais talentoso por trás do que à frente das câmeras. De fato, não chegam a ser surpresas suas tomadas dignas dos grandes mestres, como o já citado Elia Kazan, para ficarmos com um exemplo, ou a mais do que competente direção de atores, afinal, Clooney é um ator, e como tal deve saber bem dos interesses e necessidades de seus colegas. O que me surpreendeu mesmo foi constatar que Clooney é um cara politizado. O subtexto que injeta no filme, com alfinetadas na política de George W. Bush e até críticas à televisão (veículo que lhe deu fama), demonstra o quanto eu estava enganado ao imaginá-lo como mais um astro alienado. Clooney toma parte em uma guerra pela defesa da liberdade de expressão. Guerra esta que teve uma batalha vencida nos anos 50, mas que ainda está longe de terminar.

Clooney só faz mesmo o seu arroz com feijão quando o negócio é atuar. O mesmo não pode ser dito de seus companheiros de cena. David Strathairn está impecável com sua caracterização minuciosa de Ed Murrow. Torço para que daqui para frente deixe de ser relegado a papéis de coadjuvante ou a produções televisivas. Me impressionou também a interpretação de Ray Wise, como o atormentado Don Hollenbeck, apresentador do CBS News. Outro destaque é Dianne Reeves, como a cantora de jazz cujas canções pontuam os diversos momentos do filme. Por fim, não dá para esquecer a soberba atuação póstuma de Joseph McCarthy em pessoa. Desde já, o vilão do ano! Brincadeiras à parte, mostrou-se uma excelente opção aproveitar suas imagens reais ao invés de se colocar um ator em seu lugar. Ótimos trabalhos de pesquisa e edição!

Quanto ao Oscar, apesar do franco favoritismo de O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain) na categoria mais cobiçada, ou seja, a de Melhor Filme, Boa Noite e Boa Sorte pode ser beneficiado por uma atitude recorrente na Academia. A de conceder uma penca de prêmios para atores que viram diretores e suas respectivas realizações. Foi assim com Robert Redford, Clint Eastwood, Kevin Costner e Mel Gibson. George Clooney tem boas chances de ser a bola da vez.

Good night, and good luck!

Indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (David Strathairn), Melhor Roteiro Original, Melhor Direção de Arte e Melhor Fotografia.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

E O OSCAR VAI PARA... BROKEBACK MOUNTAIN ?

Numa das cenas de A Gaiola das Loucas (no original e na versão americana), o protagonista gay tenta ensinar o seu parceiro mais afetado a se portar como um “homem de verdade”. Para isso, ele elege como modelo John Wayne. Não foi à toa. Embora tenha feito outros papéis, Wayne sempre será lembrado como o cowboy por excelência. E que tipo melhor representa a imagem da masculinidade no cinema do que este? Durão, forte, viril, sempre arrebentando a cara dos bandidos e arrasando os corações das mocinhas. Tal arquétipo agora é desconstruído no novo trabalho do diretor Ang Lee: O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain), longa que, desde a última edição do Festival de Veneza, vem sendo aclamado pela crítica, faturando importantes prêmios (entre os quais o Globo de Ouro de Melhor Drama) e dificilmente perderá o Oscar de Melhor Filme.

Os cowboys de O Segredo de Brokeback Mountain, Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal), não vivem no Velho Oeste, mas numa América um pouco mais contemporânea (o recorte temporal do filme vai da década de 1960 à de 1980), porém ainda tão conservadora quanto a do século XIX. Pastoreando ovelhas na montanha que dá nome ao filme, Ennis e Jack descobrem-se apaixonados. Terminado o serviço, ambos retomam as suas vidas ditas “normais”, ou seja, se casam com mulheres, têm filhos, porém não são felizes. Passado algum tempo, eles se reencontram. Jack propõe que deixem tudo para trás e passem a viver juntos. Ennis, ciente do quanto o preconceito pode ser brutal, não concorda. Tal atitude condena o relacionamento de ambos a esporádicas temporadas na montanha Brokeback.

Ang Lee não demonstra a menor pressa em contar esta história. O ritmo do filme é propositalmente lento. O que em outros casos seria um revés, aqui está na medida certa para que o público possa sentir as angústias dos personagens. Não só as dos protagonistas, cada vez mais frustrados com uma relação amorosa tão cerceada, mas também daqueles que estão ao seu redor, sobretudo Alma (Michelle Williams), que sofre calada ao descobrir a real identidade sexual do marido Ennis.

O maior mérito do filme, no entanto, é a abordagem adequada do homossexualismo. Em primeiro lugar, Ennis e Jack não trocam de sexualidade de uma hora para outra. A cena inicial, do primeiro encontro entre eles, com seus olhares que se buscam de modo enviesado, já demonstra os sentimentos que ocultavam. Em segundo lugar, também não há uma “redenção sexual”. Nenhum dos dois se arrepende de ser homossexual e volta correndo para os braços da esposa. Por fim, Ennis e Jack não são afetados. Eles são homens. Entendam, só há dois sexos, embora existam muitas sexualidades. O que fazem na cama ou o que sentem um pelo outro não os transforma em mulheres ou pseudomulheres. Assim, o filme foge do estereótipo tão comum no cinema de que todo homossexual precisa ser afrescalhado ou se vestir como Carmen Miranda.

O preconceito também é retratado de modo sutil. Dificilmente o vemos, mas sabemos que ele está lá, como um peso que os protagonistas são forçados a suportar. Da mesma maneira que ele estava presente na sala de cinema em que fui assistir ao filme. Ao menos no início, quando cada incursão sexual ou carícia do casal protagonista era acompanhada por piadinhas ou risos nervosos. Ouvi até um “ofendido” (por que será?) ameaçando abandonar a sessão. Aos poucos, o silêncio começou a tomar conta do lugar. Ou a platéia cansou ou entendeu que o amor pode ser expresso de diferentes maneiras, ainda que estas sejam completamente diferentes das nossas. Se foi assim, talvez os Ennis e Jacks da realidade encontrem um mundo em que possam viver plenamente e sem temor as coisas que mandam seus corações.

Indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Heath Ledger), Melhor Ator Coadjuvante (Jake Gyllenhaal), Melhor Atriz Coadjuvante (Michelle Williams), Melhor Trilha Sonora, Melhor Fotografia e Melhor Roteiro Adaptado.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

NAS ÁGUAS TURVAS DA VIDA

Uma mesma história pode ser contada de formas tão diferentes que a diversidade de resultados provavelmente causaria espanto. Em outras palavras, a ficção pode se prestar a tudo, desde a obra requintada, estruturada e emocionante até os infindáveis dramalhões de mau gosto de um folhetim eletrônico. Com certeza, já vimos em mais de uma novela televisiva a história de um pai que retorna para casa após anos de ausência mal explicada. O referido personagem é quase um estranho para os filhos e, geralmente, ou tem a missão de conquistá-los ou vai trazer sérios problemas para suas vidas já desgraçadas.

Felizmente, o excelente filme russo chamado O Retorno (Vozvrashcheniye) não cai nessas armadilhas vulgares das telenovelas, apesar de partir do mesmo pressuposto. Dois irmãos adolescentes vivem os conflitos e dificuldades típicas desta época da vida, quando são surpreendidos pelo repentino aparecimento do pai, que eles só conheciam através de fotos, em sua casa. Os adultos não fornecem explicações. Exigem apenas que os meninos aceitem a nova situação. Após as primeiras reações de descrença e perplexidade, os irmãos começam a ter sentimentos diversos em relação àquela nova conjuntura. O mais novo, ao mesmo tempo confuso e com gênio forte, não aceita muito bem a novidade. O outro irmão, visivelmente carente da figura paterna, aceita aquele misterioso pai de forma surpreendentemente rápida.

Os três saem para uma pescaria, mas o pai tem misteriosos planos que não revela aos meninos. Nesta tumultuada viagem, que mostra várias paisagens da Rússia, o convívio entre eles vai ficando cada vez mais tenso. As dúvidas, os questionamentos e até o medo tomam conta dos adolescentes. Contribui para isso o temperamento misterioso e autoritário do pai, que parece querer retomar os filhos no grito. A história pode parecer comum, mas a forma encontrada pelo diretor para contá-la é sutil e interessante. O espectador fica na mesma situação dos garotos. Não sabe o que está acontecendo e nem consegue imaginar para onde essa trama aparentemente simples vai caminhar.

No tocante à parte técnica, a película é, literalmente, de encher os olhos. Belíssima fotografia facilitada pelas sombrias e misteriosas paisagens russas. A direção é contemplativa, mas sem tornar o ritmo arrastado. A presença quase mística do lago, como se fosse um personagem, nas seqüências cruciais da trama, nos fazem lembrar das referências ao vento na clássica obra de Erico Verissimo, O Tempo e o Vento.

Chega a ser emocionante a sutileza com a qual o filme é conduzido. Além disso, as sugestões e as interrogações se sobrepõem às explicações fáceis e óbvias. Não há uma preocupação em revelar mistérios ou prestar esclarecimentos ao espectador. E o objetivo deste procedimento me parece claro: o mais importante para uma boa história não é revelar segredos (por que o pai se ausentou? por que voltou? o que vai fazer na misteriosa ilha?) e sim mostrar a humanidade e os laços emotivos que se formam entre seus personagens. Neste caso, longe dos heróis do cinema norte-americano, eles são pessoas comuns, com seus defeitos, suas implicâncias mútuas, mas também humanos e emotivos.

Seria uma heresia não ressaltar o excelente trabalho dos atores que interpretaram os dois irmãos: Vladimir Garin e Ivan Dobromravov. Estes jovens atores conferem a seus personagens uma espantosa verossimilhança. Quando vemos Andrey e Ivan, tão verdadeiros em seus conflitos e também no forte sentimento que os une, podemos ver a relação entre irmãos que nós, pessoas comuns, vivemos em nosso dia-a-dia.

No fundo, este talvez seja o maior mérito desta obra tão rica em qualidades. Não é uma revelação bombástica feita no final, nem seqüências de ação, nem o heroísmo gratuito e inverossímil (características mestras do cinema hollywoodiano), que fazem de O Retorno um filme inesquecível, mas sim a sua emotividade, a sua humanidade e até mesmo a sua discreta melancolia. É uma história de pessoas “reais”, com seus defeitos, ódios, desconfianças, carências, fragilidade e, ao mesmo tempo, com o seu amor, solidariedade e respeito.

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